Sinopses e Sinapses e Desabafos.

cores do som.
6 min readNov 23, 2021

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Lia de Itamaracá.

Sem rodeios, o Cores do Som nasce da indignação. Nasce da inquietação. O projeto tem raízes e motivos culturais, políticos e educacionais. Obrigado por terem me acompanhado até aqui, lido e gerado debates. É o momento de tirar os pés da gangorra e pisar em terreno sério.

O primeiro romper, decisivo, é fazer vocês lerem. No Brasil não temos o hábito de leitura e isso não é novidade alguma, nem deve causar espanto essa afirmação. A todos que esperam que esse projeto migre para uma plataforma de canal de Youtube ou Tik Tok, meus pêsames. Ler é necessário, é maciço e tem o que é preciso para deformar as ideias, tanto de quem as envia quanto de quem as recebe. Se estou aqui escrevendo ainda, é porque vocês continuam lendo. Ou pelo menos fingem ler. E me trazem respostas positivas, trazem comentários belos.

O segundo romper, seria alcançar compreensão. Agora que já posso ter sua atenção, que tal sentar para conversarmos? Já percebeu que muitas das conversas do cotidiano parecem mais uma violência do que uma troca? A paciência, a espera do entendimento, é fundamental. É essencial, afinal, a grosso modo, isso daqui é movido por uma opinião.

O terceiro romper e não menos importante: educar. Não educar com os preconceitos, como se aquele que porta a informação seja superior. Mas educar como trazer transformação, trazer mudança significativa no pensamento daquele que lê. Depois de ganhar a sua paciência e compreensão, naturalmente, é esperado que o leitor inicie um diálogo. Com quem? Sei lá, consigo mesmo, com os amigos, com a família, com os colegas de trabalho.

O projeto começou como uma brincadeira, mas trouxe estresses e perturbações tão grandes que agora se tornou o desejo de deixar um presente.

A cultura brasileira é a ferramenta mais forte de libertação. É a ponta de lança orgânica de nossas vidas. Todos os nossos períodos históricos foram fundados nos alicerces culturais. É perfeita a ausência da barreira entre o erudito e o popular, entre o culto e o vulgar no Brasil. Esse fenômeno deu à nossa produção cultural uma lâmina afiada e arrebatadora.

A começar pela diversidade impressionante, a riqueza de ritmos estonteante. A complexidade camuflada na simplicidade. O popular sofisticado. Sim, magicamente, docemente, temos experimentado por décadas, artistas na vanguarda da criação e desenvolvimento estético a nível mundial, galáctico.

Tropicalistas.

Entretanto, recentemente, o popular vem sendo comprimido, atacado, amassado. O popular virou uma criança xoxa que sofre de inanição. Você pode até não perceber, mas já estamos dentro da goela de um sapo gigante grotesco. O suco gástrico do neoliberalismo, infectando incessantemente a cultura, vem corroendo o principal elemento catalisador de mudanças nesse país. Somos dependentes de arte e o Brasil, um amante corrupto e violento, depende mais que tudo de seus artistas, assim como um pobre aleijado precisa de sua muleta para continuar andando, carregando suas dores.

É preciso reeducação. Não vamos ser saudosistas, não vamos ser reducionistas. Não vamos conversar a conversa dos velhos e choramingar que tudo está perdido e aquele Brasil foi enterrado no pó da motosserra dos fazendeiros e grileiros. Ou que o Brasil do ontem foi melhor. Vamos apenas romper os muros, para que possa chegar sol até o novo Brasil.

Você não sente, não vê mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer

Estamos presos, amarrados e acorrentados a uma indústria cultural que uniformiza e conforma todo o povo através dos pobres algoritmos de streaming, das rádios conservadoras e da televisão aliciadora. Passam como um rolo compressor e depois jogam cimento em cima de um canteiro que poderiam florescer as mais diversas faces do povo. Matam o sonhar daqueles quais a alegria alimentou a vida de tantos, por tanto tempo. Tudo isso em prol da alucinação do estilo de vida capitalista liberal, onde artista não é nada mais que um apelido para burguês. Giram na rádio feito um carrossel sempre os mesmos temas, as mesmas músicas, os mesmos artistas.

Por isso escrevo, escrevo com amargura e violência. Espero que vocês leiam assim. Escrevo com pressa também, pois a maldade deles não descansa. Já escrevi com acidez e sarcasmo. Agora escrevo com pingos de rancor, pois é preciso. É preciso mudar, é preciso entender. E esse projeto é mais do que a chatice de um jovem soteropolitano sobreposta sobre os mais diversos artistas e discos e temas afim.

Sim, é mais.

Bezerra da Silva, Racionais Mc’s, Martinho da Vila, Marcelo D2, Primo Preto e Consciência Humana.

É mais, para poder ver tudo como um veículo autêntico da esperança. Um veículo autêntico da educação. Sem esse delírio, nem mesmo lutaria para escrever, como luto entre todas as agonias de uma faculdade, um trabalho, ter transtorno psiquiátrico, fazer arte e ser brasileiro. Nem mesmo lutaria.

A crítica é o escudo e a espada da arte. A crítica vem como a maré e remexe os barquinhos, vira alguns e salva outros. Tem que importunar, incomodar, instigar.

Os impactos são miúdos ainda. Muitos próximos chegam a não entender a seriedade das palavras. Muitos próximos nem sequer chegam a abrir os textos. Nem alguma curiosidade esboçam. Me confunde saber se isso é um drama pessoal: devem não gostar ou de mim ou da leitura. Mas pelos tantos poucos estranhos, longe e perto, pelas amizades que apreciam e sempre apreciaram meu trabalho como artista e crítico, por esses continuo. Por esse afeto, por esse pouco que possa carregar no meu bico feito um pardalzinho, vou plantando um jardim, flor a flor.

A princípio, o foco principal é o Brasil. Há muito a ser feito sobre o cenário musical nacional. Muito a se falar, muito a se conversar. Então é preciso trazer cada vez mais à tona o que o Brasil anda produzindo, o que está sendo ignorado, pisoteado. Não há porquê continuar vivendo à base de farelos que cai da boca da grande mídia, da grande indústria, dos grandes porcos.

O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus.

- Oswald de Andrade.

Mas de que vai adiantar isso tudo, se não furar a bolha? De que vai adiantar tanto fôlego, tanta reflexão e morrer na praia? Cores do Som, sempre foi e sempre será uma conversa, entre eu e vocês. O intuito da crítica é fazer a discussão sair da esfera das ideias e marcar a vida. Reverberar a arte com toda força. As opiniões, os comentários, as críticas das críticas, as menções, os compartilhamentos… Tudo semeia, deixa isso daqui mais bonito.

Que artistas (sejam os consagrados ou amadores, os rasos ou profundos, os sagrados ou profanos) e futuros artistas possam ler isso daqui. Que isso adube a mente de alguns desorientados. Que sintam tanto conforto lendo quanto sinto escrevendo.

Infelizmente, ou felizmente, o texto saiu mais com cara de manifesto do que um prefácio. Agradeço a vocês por terem deixado a brincadeira ir tão longe, ou pelo menos me deixarem sonhar tamanho sonho :)

Luiz Melodia e Itamar Assumpção.

Qualquer maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor vale amar

- Milton Nascimento e Caetano Veloso

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cores do som.
cores do som.

Written by cores do som.

Porque parte do belo é também a sua contemplação. Porque parte do cenário também são os olhos de quem o observa. Porque parte da música também é quem a ouve.

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